PRODUÇÃO DE TEXTO: O que deve ser escrito na escola?


    Uma das mais importantes funções da escola é aprofundar os conhecimentos dos alunos no mundo letrado. É valorizar a cultura escrita seja lendo ou escrevendo. Um tema que sempre está em debate e precisa sempre ser elucidado na formação dos profissionais da Educação, a produção de texto é o tema deste post, sugerido pelos colegas na página do Facebook do blog. E também algo da qual eu adoro falar, ler, ouvir, discutir e aprender. Boa leitura!


    Este texto trará uma breve reflexão e uma "introdução" ao assunto no aqui no Desordem. Há muito o que se falar e compartilhar. A partir da pergunta-título vou tentar responder e apresentar algumas concepções da prática de produção de texto que a escola atual pede.
    Sabemos que a escola é onde a maioria das pessoas ampliam o contato com a linguagem escrita. Este processo não se inicia na escola, muito antes, os alunos já tem contato com o universo das palavras, dos textos e da literatura desde pequenos. No entanto, este contato não vem tão sistematizado, geralmente é espontâneo. As crianças vêem revistas, gibis, anúncios, cartazes, propagandas e inúmeros suportes e gêneros textuais que circulam na sociedade e no meio em que vivem. É na escola que os gêneros e os portadores textuais ganham sentido na vida deles. É responsabilidade da escola orientar o olhar dos alunos para o que, quem, quando, onde, como e porque essa diversidade textual existe e é tão importante no cotidiano das pessoas. Lidar bem com as palavras, saber distinguir as diversidades textuais e dominar a prática de gêneros é um saber cultural muito valorizado na nossa sociedade. Por isso, a produção de texto tem um espaço enorme nos planos de ensino, nas propostas curriculares e na rotina escolar. Mas o que se escreve na escola?
     Hoje eu respondo esta pergunta dizendo: tudo. Se escreve tudo na escola. Há muitos caminhos para se seguir. Há muito o que dizer e para isso: escrever, registrar. 
      Nossa primeira missão é ensinar aos alunos que a cultura escrita registra o que é falado. Uma das maiores invenções da humanidade foi a comunicação escrita.


    Escrevendo, as pessoas começaram a guardar suas histórias, conhecimentos, descobertas e avisos de uma maneira mais concisa do que a da linguagem oral. Mas mesmo com esse registro, os alunos vão saber que outra habilidade importante para a linguagem escrita é a leitura, e inserida na leitura a interpretação; porque nem sempre o que se está escrito é o que se entende e vice versa. 
     Por muito tempo as escolas tinham como práticas de escrita a reprodução em massa de textos e mais textos. As cópias e as reescritas eram tidas como as produções dos alunos. Com o tempo e os estudos, vimos que isso mudou. A cópia e a reescrita fazem parte do processo de produção de texto. São práticas que ajudam os alunos a conhecer como se procede a escrita, os vários recursos da língua, organização e etc. E também, os textos que eram vistos nas escolas continham pouca qualidade ou até pouca diversidade. Muitas narrativas foram exploradas e outros modos de linguagem pouco chegavam no planejamento dos professores. O pensamento de hoje não é abandonar todas as práticas conhecidas e aplicadas há tempos e sim, repensá-las, reorganizá-las e aplicá-las de maneira inteligente e produtiva. Para isso, há um desafio muito grande. E qual é esse desafio? Deixo a argentina Delia Lerner, autora do clássico Ler e escrever na escola: O real, o possível e o necessário, responder:

    O desafio é formar praticantes da leitura e da escrita e não apenas sujeitos que possam "decifrar" o sistema de escrita, formar leitores que saberão escolher o material para buscar a solução de problemas que devem enfrentar e não alunos capazes apenas de oralizar um texto selecionado por outro. É formar seres humanos críticos, capazes de ler entrelinhas e de assumir uma posição própria frente a apresentada pelos autores dos textos.
    O desafio é formar pessoas desejosas de embrenhar-se em outros mundos possíveis que a literatura oferece, dispostas a identificar-se como semelhante ou a solidarizar-se com o diferente, capazes de apreciar a qualidade literária. O desafio é conseguir que os alunos cheguem a ser produtores de língua escrita, conscientes da importância de emitir certo tipo de mensagem a determinado tipo de situação social. É conseguir que as crianças manejem com eficácia os diferentes escritos que circulam na sociedade.    O desafio é conseguir que a escrita deixe de ser na escola somente um objeto de avaliação, para se constituir em objeto de ensino; é tornar possível que todos os alunos se apropriem da escrita e a ponham em prática, sabendo que é um processo constituído por operações de planejamento, textualização e revisão. O desafio é promover a descoberta e a utilização da escrita como instrumento de reflexão sobre o próprio pensamento, como recurso insubstituível para organizar e reorganizar o próprio conhecimento.
     O desafio é, em suma, combater a discriminação que a escola opera não só quando cria o fracasso escolar daqueles que não conseguem alfabetizar, como também quando impede aos outros - os que aparentemente não fracassam chegar a ser leitores e produtores de textos competentes e autônomos. [...]

    O trecho em destaque é o que dá luz e sustentação aos formadores de docentes de hoje. Não apenas ler textos, mas discuti-los, analisá-los e produzi-los quando há uma situação oportuna deve ser a prática tradicional na escola contemporânea. Sei que não é fácil, mas seguindo estas premissas o trabalho vem com muito mais qualidade.
    Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Língua Portuguesa já trazem estes apontamentos sobre ensinar a língua usando os gêneros textuais. Trabalhando assim, os alunos aprendem na prática o uso da língua. A diversidade de gêneros e portadores textuais deve estar programada nos currículos escolares de uma maneira em que a cada ano/ciclo os alunos adquiram mais repertório e/ou se aprofundem mais nestes conteúdos. E o que se pensar sobre gênero, portador, tipologia e suporte textual? Vamos conceitualizar:



  • Gêneros textuais são as estruturas com que se compõem os textos, sejam eles orais ou escritos. Essas estruturas são socialmente reconhecidas, pois se mantêm sempre muito parecidas, com características comuns, procuram atingir intenções comunicativas semelhantes e ocorrem em situações específicas.
  • Portador/Suporte textual é onde os gêneros podem ser encontrados. Há gêneros que são o próprio suporte, não há uma regra e ainda nenhum estudo sobre todos os suportes textuais e os gêneros que neles se dispõem, mas para exemplificar: o jornal é um suporte textual e nele há diversos gêneros: notícias, reportagens, editoriais, artigos, anúncios e etc; o livro é um suporte mas seus gêneros podem variar de acordo com o segmento que sugere, nele podemos encontrar poemas (a palavra poesia é usada para dizer sobre o gênero em si, o texto é chamado de poema), contos, romances entre outros.
  • Tipologia textual é a forma como um texto se apresenta. As tipologias mais usadas são: narração, descrição, dissertação (ou exposição), argumentação, informação, injunção, diálogo e entrevista. É importante que não se confunda tipo textual com gênero textual.
    Há também as esferas de circulação que é uma organização de onde os gêneros textuais são classificados. Por exemplo, na esfera literária temos os gêneros textuais conto, poesia, crônica; na esfera escolar temos o seminário, o relatório, o resumo. (Clique aqui e tenha acesso a uma tabela bem organizada que pode ajudar muito no planejamento e repertório de gêneros, portadores e tipologias. De nada! Hehehehe.) 
    
    E a prática? Como se dá?

    Há muito material disponível para trabalhar com os gêneros do discurso na rede atualmente, no entanto, é sempre bom ter critério. Analisar e ver os objetivos das atividades e as finalidades são imprescindíveis. Sugiro então, os seguintes procedimentos:

  1. Organizar no início do ano letivo as esferas literárias a serem trabalhadas em cada segmento educacional (uma tarefa para coordenadores pedagógicos): É importante diversificar as diferentes linguagens que a escrita proporciona para que os alunos não fiquem limitados a apenas "contar histórias" (este procedimento é importantíssimo, mas não deve ser o único). Elencar as esferas e não os gêneros a princípio propõe uma liberdade para o professor selecionar o melhor gênero de acordo com as necessidades da turma ao longo do ano e não fura o plano anual inserido no PPP (Projeto Político Pedagógico) da escola. No entanto, os gêneros devem estar claramente previstos nos planos trimestrais, bimestrais e etc.
  2. Selecionar gêneros que ampliem o conhecimento da língua escrita a partir das necessidades: Além da discursividade, os gêneros pedem certos recursos como pontuação, diagramação, paragrafação, figuras de linguagem e tantos outros elementos presentes na língua escrita. É interessante ver o que o gênero selecionado deve acrescentar aos conhecimentos do aluno. A partir de sondagens diagnósticas verifica-se a necessidade mais evidente da turma: organização de frases? Pontuação? Ordem de episódios? Coerência e coesão no discurso? Por exemplo, se há uma turma com muitas dificuldades em pontuação a piada e as histórias em quadrinhos podem ajudar pois a pontuação se faz muito necessária nestes gêneros. O importante é partir do que a turma precisa e para saber disso basta pedir que escrevam uma história que conheçam, um relato de algo que vivenciaram e etc. 
  3. Pensar na proposta de escrita: Selecionado o gênero os alunos escreverão para que? Para onde irão seus textos? Apenas para a mesa do professor para atribuição de notas? É interessante buscar uma situação real em que os alunos tenham de escrever para expressar algo. Isto valida toda a tarefa que terão. Por exemplo, se o gênero selecionado é o convite, o que haverá na sala, na escola ou no bairro para que possam redigir convites e cumprir a função social do gênero? Nem todos os gêneros podem ter uma situação tão real assim, mas pode-se proporcionar a situação também simulando acontecimentos. No caso do gênero lista, por exemplo. Haverá um "mercadinho" na sala e os alunos devem escrever uma lista dos itens que desejam comprar. A proposta de escrita pode partir dos próprios alunos em rodas de conversa e etc. Tendo em mente o que de fato se escreverá, menor as dificuldades e mais fácil será intervir em suas dúvidas.
  4. Oferecer diversos textos do gênero ou suporte para repertório: A produção de texto é a união dos eixos de Língua Portuguesa: oralidade, leitura e análise linguística. Para um bom texto escrito, deve se ter lido muitos textos do gênero ou temática, conversado muito sobre isso e ter entendido bem as normas gramaticais e ortográficas da língua. Por isso, é preciso se ter diversos textos para referência e consulta deixando-os cada vez mais próximos ao que estão estudando.
  5. Revisar as produções até alcançarem os objetivos propostos: Faz parte do processo escritor revisar seus textos. Eu mesmo revisarei este posts umas cinco vezes para deixá-lo o mais próximo do que desejo. Os alunos precisam aprender este hábito. Sempre será necessário ajustar o texto para a finalidade que o espera. Então, revisões e treinos sempre são ótimas. É claro, temos de saber dosar. Dois meses revisando o mesmo texto cansa. Revisões de textos dos alunos coletivas, em duplas e depois individuais (ou na ordem contrária) são momentos para aprender.
  6. Adaptar o gênero de acordo com a idade e conhecimentos da turma: Estamos falando de textos escritos por crianças e adolescentes. Não dá para exigir que escrevam contos como os grandes autores ou notícias como os jornalistas. Alguns gêneros podem ser escritos na íntegra outros precisam ser adaptados para a idade e ao conhecimento dos alunos. Alunos com escrita não-alfabética podem trabalhar o gênero conto maravilhoso, por exemplo, mas com escriba. Produzirão usando a oralidade. Para turmas e alunos que ainda estão no processo de alfabetização a produção de texto é possível nesses dois âmbitos: com escritor experiente (aluno fala e é registrado) ou com recursos (imagens, figuras) para que possa retomar o que escreveu em sua hipótese. Tudo pode ser possível, mas é necessário saber como abordar e até que ponto pedir a qualidade na escrita.



      As sequências didáticas são ótimas modalidades para se trabalhar com os gêneros. São organizadas e cada etapa tem um propósito. Os estudiosos Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz elaboraram práticas de trabalho com os gêneros do discurso organizados e divulgados por Mikhail Bakhtin. Schneuwly e Dolz sugerem um esquema de sequência didática para que os gêneros sejam ensinados:

  1. Apresentação da situação (de escrita)
  2. Produção inicial
  3. Módulo 1
  4. Módulo 2
  5. Módulo [...]
  6. Produção final
    
    A apresentação da situação é o primeiro momento de contato com o gênero em sala de aula. O professor apresentará aos alunos o gênero a ser produzido, seus detalhes e levantará os conhecimentos prévios que eles já possuem.
   A produção inicial é fundamental nesta sequência didática pois é o momento de observar como os alunos lidam com as informações que obtiveram e com as que já tem. Com as produções iniciais verifica-se quais as necessidades, o que precisam aprender para se adequarem ao objetivo proposto.
    Os módulos são os momentos de revisões, leituras, treinos e exercícios de linguagem que os alunos vivenciarão para aprimorar suas habilidades textuais.
    E a produção final é quando se vê o que aprenderam e como avançaram em relação à produção inicial. 
    Todo este processo pode ser registrado e coletado pelo professor que trabalha em uma rede em que se tem portfólios dos alunos. Desde a produção inicial até a final é possível ver os avanços do aluno e toda a intervenção do professor. É um ótimo material.
    A proposta de Schneuwly e Dolz partem do construtivismo e sócio-interacionismo. O modelo acima é bem raso, mas possibilita criar a própria sequência didática a partir de várias outras. Uma sequência pronta, não necessariamente atenderá as necessidades das turmas com as quais trabalhamos. É sempre bom partir da necessidade deles e planejar atividades que contribuam para isso.
    Os livros didáticos apresentam diversas propostas de produção de texto que podem ser usadas, mas sempre analisadas antes para se ter um bom desempenho.
    Não há limites para a produção escrita e quanto mais repertoriados forem nossos alunos, quanto maior for a qualidade de nossas aulas e mais claros nossos objetivos, melhores textos teremos porque hoje sabemos o quanto vale a palavra em um papel, não é mesmo? 

    Para concluir o post com uma boa ilustração do conteúdo e para acrescentar mais, fiquem com este vídeo da TV Escola: Perspectivas: Língua Portuguesa - Gêneros Textuais.

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    Ufa! Quanta coisa, não? Pois é, e este é só o primeiro post sobre o tema! Espero ter colaborado de alguma forma. Há ainda muito o que discutir e esclarecer. E então, o que achou? Aguardo opiniões e relatos. Veja abaixo várias referências para ampliar a formação:

REFERÊNCIAS


ARTIGO: Gêneros textuais no ensino de Língua Portuguesa (Aline Segate)

REPORTAGENS: Coleção da  Revista "Nova Escola" sobre produção de texto

LIVROS:

Gêneros orais e escritos na escola
Bernard Schneuwly, Joaquim Dolz
Mercado de Letras


             Alfabetização e letramento
             Magda Soares
             Editora Contexto

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Esses e outros abraços!

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