BILHETES ESCOLARES: Como garantir a eficácia na comunicação com as famílias?


    Planejar aulas, dominar conteúdos e estratégias de ensino, gerenciar o tempo e o comportamento dos alunos, avaliar a aprendizagem, pesquisar temas científicos, sociais e psicológicos. Essas são algumas das muitas atividades e competências que um profissional da Educação deve ter. A lista está completa? Claro que não. Aprendemos tudo na graduação? Não. Nos cursos de formação? Também não. Há conhecimentos que, geralmente, apenas temos acesso na pura prática profissional. Uma delas é a "diplomacia pedagógica". Termo inventado por mim para definir a habilidade que docentes devem ter nas relações com os pares envolvidos no processo de escolarização das pessoas: alunos, famílias, comunidades e profissionais. A "diplomacia" é exercida em várias ações e uma delas é o recurso muito popular na rotina da escola: os bilhetes. No entanto, o bilhete garante a eficácia que se propõe quando se escreve? Ele resolve os problemas? O que deve conter em um bilhete enviado às famílias para que seja um agente construtivo e não destrutivo? Para pensar sobre isso, continue lendo o post. Boa leitura!


    

    O menino não parou quieto na mesa. Já bateu em dois colegas e não é a primeira vez. Já foi conversado. Já foi dito. Alguma providência precisa ser tomada. Qual?
    Em situações cotidianas no interior das escolas, quase sempre quando há comportamentos indisciplinados, por parte dos alunos, que precisam de uma atenção maior da escola e intervenção e parceria das famílias, então o bilhete costuma ser usado com o fim de se resolver a situação denunciada. Porém, muitas vezes o recado não é suficiente e pode ser necessária uma conversa com as famílias. Ou também o bilhete se torna um agente complicador na relação família-escola quando seus objetivos não são claros ou como a escrita aparece. Afinal, os bilhetes são amigos ou inimigos? Amigos, por favor! E como evitar que provoquem uma distância entre a família e a escola? É o que precisamos pensar.
    O bilhete é um dos recursos mais utilizado na comunicação entre  professor e família. Muito presente na Educação Infantil e no Ensino Fundamental I. Geralmente são escritos nas agendas (ou caderno de recados) dos alunos quando há a necessidade de se comunicar algum evento, ocorrência ou lembrete às famílias de um modo mais uniforme, prático e rápido já que nem todos os responsáveis estão presentes no espaço escolar diariamente. Uma prática muito comum no uso do bilhete é relatar algum caso de indisciplina ou comportamento inadequado do aluno e é aí que mora o perigo. Há de se ter cuidado na hora de produzir o comunicado pois dependendo da forma como é escrito pode se tornar um empecilho e um grande dificultador nas relações das famílias com os docentes. Vamos partir de um exemplo real para aprofundarmos a "conversa".


    Este bilhete foi notícia em diversas mídias alguns anos atrás. Após presenciar uma situação de indisciplina, a professora notificou os pais do aluno com este bilhete. Possivelmente escrito em um momento de revolta e indignação, no entanto, será que resolveu? Não. Infelizmente houve uma repercussão muito negativa da atitude e a profissional acabou sendo lesada. Mas há o que considerar. O bilhete acima, como é apresentado, não mostra qualquer indício de parceria. É um jogo de responsabilidade. O aluno não é representado como parte de uma escola e sim componente de uma família que, ao que se induz na escrita, é negligente e omissa. A professora não relata a situação, não coloca as intervenções feitas e sugere, nas piores das práticas, o que a família deve fazer para "corrigir" o garoto. Com certeza os responsáveis pelo aluno sentiram-se humilhados e ofendidos como se "não soubessem cuidar de seu filho". É fato que muitas famílias possuem dificuldades enormes em estabelecer limites com seus filhos, mas a escola não ajuda em nada quando apenas acusa. O caminho é a famosa "parceria". A família educa e a escola escolariza. Porém a família que possui dificuldades na educação de seus filhos pode ter ajuda da escola que conta com profissionais especializados nas relações de ensino e aprendizagem e nas fases do desenvolvimento de crianças e adolescentes. Os bilhetes nas agendas e cadernos de recados são registros dessa parceria.

O QUE DEVE SER ESCRITO NOS BILHETES?

    Os bilhetes escolares devem ser usados para melhorar a comunicação entre famílias e professores. Qualquer situação que mereça a ciência dos responsáveis deve ser escrita na agenda do aluno. Os acidentes ocorridos durante o período de aula como machucados e lesões, os sintomas de algum mal-estar ou doença que o aluno apresenta e notas sobre a conduta do mesmo pode ser escrita. As famílias gostam de ser informadas sobre o que ocorre com seus filhos na escola. Quando percebem que estão sabendo pouco de situações consideradas importantes por elas, costumam enviar bilhetes aos professores pedindo (ou exigindo) maiores explicações. Uns bilhetes são bem formais, outros muito grosseiros. Mas, primeiramente, vamos falar dos bilhetes escritos por nós, profissionais da Educação e especificamente das notificações dos casos de indisciplina.
    A notificação escrita das atitudes inadequadas dos alunos deve ser enviada às famílias sempre em que houver dificuldade por parte do docente em intervir nessas situações. Escrever um bilhete como forma de punição ou para eximir-se da responsabilidade é um tiro no escuro. Ás vezes resolve, outras vezes não e para garantir a eficácia desta comunicação, sugiro algumas dicas:

    1. É necessário haver um combinado com as famílias e alunos para que saibam a relevância do bilhete. Enquanto docente, eu costumo combinar o seguinte: procuro resolver a maioria dos conflitos dos alunos entre eles, no entanto, quando vejo que apenas a minha ação é insuficiente envio um bilhete pedindo a colaboração das famílias. Logo ao assumir as turmas, combino com os responsáveis: Quando houver bilhetes sobre indisciplina é porque eu preciso da colaboração e do reforço dos combinados da escola em casa para que o aluno realmente entenda o que está cometendo e quais danos à sua aprendizagem e dos outros colegas está causando.
    Com os alunos, também combino: Já chamei sua atenção e não foram poucas vezes, se não houver melhoras eu precisarei comunicar sua família para que eles nos ajudem
    Esta prática ajuda o aluno a pensar sobre as consequências de suas atitudes e as famílias entendem quando precisam intervir de maneira mais eficaz.

    2. No corpo do bilhete precisa conter a situação ocorrida, a intervenção já realizada e os prejuízos que a atitude em questão causa e também o desejo e a necessidade da parceria. Relatar apenas o que o aluno fez pode gerar indignação. Se há uma parceria, a parte da escola já tem de estar sendo feita por isso é que é muito importante escrever o que foi feito diante da situação e também, como esses momentos prejudicam a vida escolar. Dou um exemplo de um bilhete que eu escreveria na situação em que um aluno não realiza as atividades por se ocupar em outras coisas. Vejam só:

Boa tarde, Maria.                                                                                                             

    Durante a aula de hoje, o José pouco aproveitou das atividades que eu ofereci. Passou a maior parte do tempo conversando com os colegas e desenhando na mesa. Conversei com ele no início da aula sobre a importância de fazer as lições e ele não deu muita importância. Precisei trocá-lo de lugar porque alguns colegas reclamavam. Tentei uma nova conversa e mesmo assim ele não mudou sua atitude. Pedi que fizesse pelo menos dois dos exercícios que passei, mas ele mal começou.                   Temos um combinado na sala de que quem não termina as atividades do dia não pode brincar ao fim da aula. Então o José ficou sem participar deste momento tão divertido.          Em outros dias ele já teve esse mesmo comportamento. Fico preocupado porque são atividades importantes e ele avançaria muito. Mesmo com ajuda minha ele se nega.           Por favor, converse com ele para que entenda melhor o que está perdendo agindo desta forma. Se ele disser algo que o está incomodando na classe, peço que me avise.       

Conto com sua colaboração!                                                                        
Atenciosamente,                                                                                                             
Professor Edson

    3. Tratar o aluno pelo seu nome sugere respeito à sua individualidade. A expressão "seu filho (a)" dá a impressão de que o comportamento inadequado provém diretamente da família. Ele apresenta essas atitudes por pertencer àquela família. Usar o nome do aluno é imprescindível.

    4. Uma linguagem formal mas sem coloquialismo garante a compreensão da mensagem. Como lidamos diretamente com linguagem e seus usos, é essencial que tenhamos uma boa escrita. No entanto, abusar dos termos técnicos da Educação pode dificultar o entendimento por parte das famílias. Sabemos que há muitos responsáveis que não são alfabetizados ou possuem dificuldades na leitura, depende muito da realidade em que se está inserida. Por isso, é importante uma escrita "democrática", para que todos possam entender, mas que não seja livre da formalidade necessária já que estamos em uma relação de trabalho.

    5. O bilhete nem sempre garante a melhora das condutas. Os profissionais costumam usar do bilhete como instrumento de chantagem para tentar uma melhora na conduta dos alunos. Mas como disse anteriormente, é preciso ver se a família e o aluno sabem da relevância do bilhete. Se a prática é banalizada, todo e qualquer movimento do aluno é notificado, os comunicados perdem sua validez. Acabam servindo como diversos relatos de intervenções mal-sucedidas na escola. Os responsáveis darão pouca importância e pensam que "est@ professor@ não resolve nada". Neste caso, a equipe gestora deve intervir com este profissional orientando-o para aprimorar sua prática.

    6. Evitar as expressões de raiva e ameaças. Há muitos casos que nos deixam muito revoltados e que não temos que aceitar como realidade, no entanto, relatar isso com palavras que sugerem uma raiva ou uma ameaça às famílias não colabora para uma parceria. Temos nossos direitos sim e há casos em que precisamos nos defender, mas não é no caderno de recados que diremos isso. Em situações muito graves o bilhete não dá conta. É preciso uma reunião para esclarecer as dúvidas e reafirmar combinados. Expressões mal escritas podem virar uma arma contra o próprio professor como se sucedeu no exemplo do bilhete no início deste post.

BILHETES APENAS PARA INDISCIPLINA?

    Há ainda um péssimo hábito na maioria das escolas de que as famílias só são acionadas quando as coisas ruins acontecem. Se não for bilhete de reunião de pais, APM ou de que não haverá aula, a agenda do aluno só terá bilhetes sobre indisciplina. Mas será que esta comunicação serve apenas para isso? Quem deseja uma parceria bem interessante com as famílias enviará bilhetes na disciplina e na indisciplina. Elogiar um aluno é um grande incentivo. Os outros possivelmente também vão querer pois quem não gosta de um agrado em casa? Entendo que a comunicação fica muito precária quando só se fala com as famílias a respeito dos erros dos alunos. E os acertos? Esses também merecem ser destacados.

FORMAS E FORMAS DE SE ESCREVER

    Uma mesma situação pode ter várias formas de ser relatada e cada uma sugere uma reação. Veja a seguir dois exemplos de bilhetes a serem enviados quando uma aluna agrediu a outra. Na primeira versão, serei agressivo e revoltado. Na segunda, busco parceria e mostro preocupação.

VERSÃO 1

Senhores pais ou responsáveis,

Hoje sua filha bateu em uma colega no recreio porque a menina a empurrou na fila da corda. Ela ficou sem brincar porque isso não é coisa que se faça. Converse com ela para que isso não se repita mais.


Professor Edson



VERSÃO 2


Boa tarde, João ou Aline.

Durante o recreio a Talita se desentendeu com uma colega e acabou agredindo-a. A briga surgiu por causa dos lugares na fila da corda. Conversei com as duas e resolvemos a situação. Mas como agredir as pessoas não faz parte de nossos combinados, e a Talita não o cumpriu, deixei-a pensando sobre isto durante o resto do recreio.

Peço que conversem com ela sobre esta atitude. Reforcem, por favor, de que a violência não é a melhor solução.

Para qualquer dúvida, estou a disposição.

Atenciosamente,

Professor Edson.
     
    Pode parecer bobagem mas muitos bilhetes como o da versão 1 ainda são escritos. Repare que no primeiro o tom é bem imperativo. O discurso ordena e não dá espaço para a parceria. Já o segundo é muito mais cordial, mostra profissionalismo porque o professor tem preparo para lidar com a situação e mostra que a intervenção da família é necessária e colaborativa. Não é tudo da responsabilidade deles, é uma missão compartilhada.
    Escrever um bilhete em que fique claro a parceria necessária da família na escola, a disposição do professor em sanar dúvidas e sua preocupação com o desenvolvimento do aluno é um dos requisitos da diplomacia pedagógica. O cuidado com as relações é um atributo docente pouco teorizado mas muito, muito necessário!

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    E assim, vamos! Sempre tento ser objetivo mas há muito o que dizer! Espero que as dicas acima sejam úteis para que um pedido de ajuda não se torne uma "carta de demissão". Pois é, em nossa dura jornada ainda temos de ter cuidado com isso. Levem para as escolas de vocês e compartilhem com quem precisa, pois é uma ajuda pouco divulgada por aí. Façam bom proveito! Abaixo, seguem os links de uma reportagem muito boa publicada na Revista Nova Escola sobre o assunto e depois, a notícia do bilhete polêmico que usei no início do post.




Esses e outros abraços!

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