ARTIGO: Carta Aberta ao Deputado Marco Feliciano


Olá, querdxs leitorxs! O blog está em hiatus há algum tempo, contudo,  a partir do vídeo divulgado pelo Deputado Marco Feliciano sobre o caso da Professora Marcia Friggi (agredida por um aluno em uma escola de Santa Catarina), senti-me no dever de questionar a figura pública do Deputado em relação aos seus argumentos. Enquanto professor, senti-me extremamente lesado e ofendido. O texto a seguir não se trata de uma rixa política, mas, uma reflexão sobre a influência que uma figura como o Deputado Marco Feliciano pode causar ao atacar e "justificar" tão friamente uma violência contra um docente.
Espero que esta mensagem chegue até seu destinatário e sirva de voz a todos que compartilharam dos mesmos sentimentos que eu ao assistir o vídeo.



CARTA ABERTA AO DEPUTADO MARCO FELICIANO


São Bernardo do Campo, 25 de agosto de 2017

    Sr. Deputado Marco Feliciano,

    Nesta semana, especificamente ontem, deparei-me com a infeliz notícia da publicação do vídeo que o senhor gravou a respeito do caso da professora Marcia Friggi. Desde então, estou me perguntando se o senhor (figura pública, representante do povo e do governo nos órgãos públicos) tem real consciência do peso e das consequências que sua declaração causa à classe do magistério brasileiro.
    Antes de mais nada, quero enfatizar que meus questionamentos não surgem de nenhuma orientação política. Não escrevo para travar duelos entre posições partidárias. Sim, eu tenho clareza da posição que assumo enquanto pessoa e, se o senhor vasculhar minhas publicações nas mídias sociais, certamente se desapontará. Mas, nesta carta, assumo minha postura profissional como docente de Educação Pública. Estou escrevendo como jovem professor que sou, eterno aprendiz e trabalhador brasileiro que leciona todos os dias a fim de possibilitar o acesso ao conhecimento pelas camadas populares de minha cidade. Enquanto professor, instigo meus alunos a refletirem sobre as inúmeras informações que o mundo apresenta, relacioná-las com a realidade e individualidade de cada um transformando tudo isto em conhecimento.
    Também não escrevo esta carta com o pretexto de questionar a posição religiosa que o Sr. Deputado tem. Contudo, questiono a posição pública que o senhor assume. Estou dirigindo-me ao homem eleito pelos votos populares e que representa diversos grupos da sociedade.
    No início do vídeo o Sr. Deputado diz ser contra qualquer tipo de violência e declara todo o respeito a nós, professores. Porém, as declarações caem por terra segundos depois. De acordo com os argumentos do senhor, a impressão que tenho é que a agressão sofrida pela Professora Marcia é perfeitamente justificável a partir da posição política e pessoal que a mesma assume e publica em suas redes sociais. O que isso quer dizer? Que qualquer professor que assume posição contrária à do Sr. Deputado está passível de ser agredido pelos alunos e que isto é uma responsabilidade do próprio docente? O senhor deve saber das condições de trabalho que temos na maioria das escolas brasileiras. Da crise de valores que vivemos e, ainda assim, o Sr. Deputado considera natural uma violência contra um funcionário público (que tem sua integridade protegida por lei) pela simples questão de ser “de esquerda”?
    Posteriormente o Sr. Deputado, erroneamente, cita Paulo Freire e o coloca como “líder dos esquerdistas”. Bem, há muito que dizer sobre isso, não é mesmo? Antes de qualquer argumento, pergunto ao senhor: quais referências de Paulo Freire – além deste discurso patológico constantemente reproduzido pelos conservadores – o senhor possui? Quais obras de Paulo Freire o Sr. Deputado leu e percebeu suas aplicações na prática escolar? Pelo visto o Sr. não conhece muito bem o que Freire tanto divulgou e o legado que deixou para a Educação Brasileira. Tenho estudado Paulo Freire desde a minha graduação e, ainda, não encontrei as premissas que o senhor disse ao longo do vídeo. Onde estão estas referências? Pedagogia do Oprimido? Pedagogia da Autonomia? Em quais obras?
    Seguindo alguns minutos, o Sr. Deputado questiona a professora em relação às situações de violência em que ela sofre e, depois, a que ela apoia. O livro e o ovo. Particularmente, considero ambas as situações como violência. Mas, se formos comparar estas duas circunstâncias encontraremos grandes disparidades que o Sr. Deputado não pensou antes de nomear a professora como hipócrita. O Sr. Deputado coloca em um mesmo peso as duas ocasiões, mas, será que estão no mesmo patamar? O senhor considera mesmo que jogar um livro em um professor é um ato revolucionário? Um ovo em um político é violência sim, no entanto, vejamos os respaldos que a classe política em nosso país tem. Um professor em sala de aula dispõe das mesmas condições de segurança? Um professor em sala de aula, após agredido, consegue as mesmas respostas judiciais que os homens do poder têm após serem atacados? Acredito que o Sr. Deputado não ponderou estas questões.
    Adiante, o senhor acusa vorazmente a Professora Marcia Friggi de doutrinação ideológica em seu trabalho. O Sr. teve acesso ao planejamento e aos registros de aula da professora? Consta junto ao senhor depoimentos a respeito do trabalho da professora a partir dos apontamentos da gestão e comunidade escolar onde Marcia Friggi leciona? O senhor não considera que analisar o trabalho pedagógico de uma docente a partir de suas publicações na internet sem verificar o real contexto escolar em que ela está inserida é fraco e apelativo?
    O Sr. Deputado encerra o vídeo falando de que “o feitiço vira contra o feiticeiro” e antes, reforçou que é contra qualquer manifestação de violência. Não existe aí um paradoxo, Sr. Deputado? O senhor mostra considerar este infortúnio contra a professora perfeitamente justificável com esta frase de efeito. Eu quero que o senhor me responda: com qual segurança devo lecionar a partir da semana seguinte? O que devo esperar das famílias e dos alunos que foram influenciados pela mensagem do senhor e que devem se sentir permissíveis a agredir um professor quando contrariados?
    Eu realmente não entendo, Sr. Deputado, qual a utilidade pública do seu vídeo.
  Estamos vivendo tempos de cortes financeiros na Educação, escassez de políticas públicas e garantia de direitos para alunos e professores.
  Quase não temos material para ensinar a ler e escrever, Sr. Deputado. Nossos salários, nossas jornadas formativas e profissionais estão defasadas. A escola é um campo de violência cada vez maior entre crianças, jovens e adultos.
   Nós, professores, só queremos o respeito e a dedicação da sociedade para que, ela própria, se desenvolva.
    Trabalhamos exaustivamente, Sr. Deputado, porque queremos um país mais gentil, mais convicto e democrático.
   Precisamos, Sr. Deputado, de políticos que auxiliem a sociedade a entender o quanto perdem ao permitir a precarização da Educação todos os dias.
  Queremos vídeos de representantes públicos como o senhor para alertar a sociedade sobre a importância do saber. Queremos saber de suas propostas para garantir educação de qualidade.
    Neste vídeo, o Sr. Deputado, não nos ajuda. Aliás, também não me parece que o Sr. lembrou-se de seus professores. E, sem eles, Sr. Deputado Marco Feliciano, como ocuparia esta posição que está hoje?


Atenciosamente,
Professor Edhson J. Brandão


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Imagem: Plantão Brasil/Google.

2 comentários

  1. Parabéns Caro Colega pela carta tão bem escrita e significativa ... Concordo com suas colocações ...

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  2. Parabéns professor... me representou em cada palavra...

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