PONTUAÇÃO: Propostas reflexivas para trabalhar em sala de aula


    Após um intervalo nas postagens, o Desordem retoma o ritmo com um post baseado em muitas dúvidas que os professores do Ensino Fundamental I possuem a respeito do ensino da aplicação dos sinais de pontuação nas produções escritas de seus alunos. Há muitos dilemas e contradições sobre as formas ideais de ensino, no entanto, já existem alguns estudos sobre o tema que defendem uma prática reflexiva. Ou seja, o método antigo usado para ensinar não tem se mostrado tão eficaz. Portanto, você confere neste post algumas considerações sobre o ensino reflexivo da pontuação gramatical bem como sugestões de atividades para aplicar com seus alunos. Boa leitura!
   
    Pontuação é muito mais que conhecer os sinais gráficos presentes nos textos escritos, é aplicá-los nas escritas de maneira coerente a fim de se melhorar a leitura e interpretação dos textos por outras pessoas.
    Por muito tempo a escola ensinou os sinais de pontuação como parte essencial da escrita. Os exercícios praticamente se resumiam em aplicar os sinais em frases soltas, mas na hora das produções textuais maiores os sinais raramente apareciam.
    Os estudos mais atuais nos dizem que os sinais de pontuação são essenciais para a leitura. Seria então o caminho inverso? Primeiro os percebemos na leitura para depois aplicarmos na escrita? Tudo indica que sim.
    Nos primeiros anos em que as crianças estão desenvolvendo suas capacidades escritoras, a interferência da fala na escrita é muito intensa. Isso explica a grande quantidade de "deslizes" (não vou chamar de erro!) ortográficos que os pequenos cometem. No entanto, a linguagem escrita tem elementos que não são notados durante a fala. A prosódia (a distância entre uma palavra e outra) é um exemplo. Por isso as crianças tanto hipossegmentam (aglutinam) as palavras ao se tornarem alfabéticas. Ou então hiperssegmentam (separam muito) porque percebem que este espaço existe mas tem dúvidas sobre seu uso. A pontuação não fica para trás. A maioria dos sinais de pontuação não apresentam influências sonoras. Qual o som do ponto-e-virgula? E das aspas? Os primeiros sinais a serem ensinados até parecem ser mais fáceis, como a exclamação, interrogação e virgula, mas os demais nem tanto. E mesmo assim, os alunos demoram a usá-los mesmo sabendo que existem! E então, o que fazemos?


CONCEITUANDO...

    Antes de vermos as propostas das atividades, é preciso que se saiba que assim como na aprendizagem das letras e escrita de palavras, dos números, da segmentação e etc., no uso da pontuação as crianças também apresentam certas hipóteses. Não há nada cientificamente comprovado, apenas constatações. Há estágios em que a criança passa, vejamos:

1º) Não faz uso nenhum de pontuação em suas escritas. Ora porque não conhece os sinais ou porque ainda não percebeu a sua relevância nos textos escritos e lidos.

2º) Faz uso raro dos sinais. Aparecem poucos e são inseridos de maneira aleatória: não são empregados de acordo com suas finalidades. Geralmente são pontos finais no fim do texto ou em meio de frases, não finalizando-as. Há casos em que as virgulas surgem.

3º) Surgem alguns sinais, a presença maior é de exclamações e interrogações já que estes são mais fáceis de relacionar com a fala. Até reticências podem surgir.

4º) Pontos e virgulas também começam a se tornar mais presentes, no entanto, estão distantes de seus usos convencionais. Geralmente as crianças pensam antes "onde" inserir os pontos porque sabem que precisam estar presentes em suas produções. Pensam no discurso inteiro e depois "encaixam" os pontos. Só depois vão inserindo-os a medida que pensam e escrevem.

5º) Ampliam a variedade dos sinais. Podem surgir aspas, travessões, parênteses, etc.

6º) A pontuação enfim é usada de forma convencional.

    Mas atenção, estas descrições não se aplicam a tudo e a todos. São conclusões a partir de estudos. Há casos e casos.
    Outro ponto importantíssimo a se considerar é: os alunos precisam entender que a pontuação é para a leitura dos textos. Precisam, primeiramente, perceber os sinais em suas leituras. Assim que compreenderem a diferença que fazem na leitura de textos começarão a aplicá-los em suas escritas porque notaram o sentido que a pontuação tem. O aprendizado mecânico não favorece estas questões. 

PARTINDO PARA A PRÁTICA


    As atividades a seguir propõem este ensino reflexivo do uso dos sinais de pontuação. Se bem organizadas servem para uma sequência didática. Antes de aplicá-las é sempre importante diagnosticar o que os alunos sabem sobre este campo de conhecimento e quais habilidades possuem. 

AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA

    O primeiro passo então, será uma atividade diagnóstica. Segue uma proposta de atividade junto a um instrumental para uso do professor para verificar e acompanhar o progresso dos alunos de maneira sistemática. Clique nos links abaixo para baixar os arquivos em PDF.




    A ideia é pedir a escrita de um texto para os alunos que tenha vários sinais de pontuação para realizar o diagnóstico. A proposta que trago é a escrita de uma piada que deve ser lida e explorada antes, para então ser escrita. Elegi a piada por ser uma narrativa curta e exige algumas pontuações importantes. Outros gêneros podem ser eleitos. 
    A tabela de mapeamento serve para ir registrando os estágios que cada aluno aluno está a medida que são avaliados após as atividades de sistematização (exercícios, reflexões e treinos).

    As atividades a seguir são para os níveis descritos acima. Após o diagnóstico, investir nas atividades que atendam o nível em que estão fará muito sentido. A medida em que entendem, é ideal aumentar o desafio.


NÍVEL 1- CONHECENDO OS SINAIS DE PONTUAÇÃO



    Há na internet dezenas de atividades para iniciar este trabalho. Há textos, poemas, desenhos e muitas outras formas de introduzir o ensino da pontuação. Tudo vale se o aluno aprende! Contudo, apresento aqui uma forma construtivista e reflexiva de abordagem para este campo de conhecimento.

1º) Selecionar um texto curto e que apresente vários sinais de pontuação para ler com a turma. É preciso haver uma cópia ampliada para dar destaques. Os alunos podem ter cópias para acompanhar a leitura, ajuda muito. Ler em voz alta o texto com bastante entonação. Um exemplo pode ser este trecho de fábula retirada do Programa Ler e Escrever:

Trecho de “O sapo, a onça e o pirarucu”
Há muito tempo, quando os bichos falavam, mas só ouviam o que
queriam, a onça foi beber água e topou com um sapo no caminho.
Não pediu licença, não. Simplesmente atirou o sapo no rio.
O sapo caiu com tanta força que acertou na cabeça de um
pirarucu. O sapo disse:
– Desculpa. A onça me jogou.
Mas o peixão deu um raquetaço com o rabo e jogou o sapo de
volta para a terra.
A onça disse:
– Ué, compadre sapo, voltou?

2º) Após a leitura, fazer uma breve discussão com os alunos sobre do que o texto trata e etc. e então partir para os seguintes questionamentos: Este texto possui apenas letras? Existem apenas letras e palavras neste texto? A resposta possivelmente será negativa. Alguns vão perceber os sinais e até já nomeá-los, outros não. Então prossiguir: O que são essas "coisas" que não são letras? Se não houver respostas, dê a explicação, caso contrário ouça o que eles têm a dizer. Explicar que esses outros símbolos são os sinais de pontuação e que servem para orientar a leitura do texto. Ler um trecho novamente do texto ignorando ou alterando a pontuação que existe. Ex.: "Ué, comadre sapo, voltou! "ou "Desculpa? A onça me jogou?" e questionar se houve mudanças no sentido das frases. 

3º) Depois de terem esse primeiro contato, é interessante nomear os sinais que aparecem e questioná-los: Para que será que serve este traço aqui? Chamamos ele de travessão. Para que será que serve? Ouvir as hipóteses se houverem. Caso contrário, instigar: Esta parte do texto aqui (trecho da fala do sapo), quem está falando? É o narrador? Possivelmente dirão que não. Continuar: Quem está falando? O sapo? Pois é! E esta outra frase aqui (a fala da onça)? Eles devem responder que é a onça. Então, tentar concluir: Quando o narrador fala aparece o travessão? Resposta negativa, se não houver, comparar com qualquer outra frase que seja do narrador. O objetivo é fazê-los perceber que o travessão antecede a fala de um personagem. Você pode ir questionando mais alguns dos sinais de pontuação para que vão entendendo o sentido de cada um na prática.

4º) Agora é interessante uma apresentação mais convencional dos pontos. Se o passo anterior for bem explorado, é possível montar um quadro, cartaz ou mesmo anotações nos cadernos com as próprias palavras das crianças com perguntas como: Para que serve a interrogação (?) ? E deixar nas próprias palavras deles se possível. Caso contrário, não há problemas em apresentar os sinais junto a uma descrição de cada.

5º) Esta proposta se baseia em oferecer diversos tipos de textos de vários suportes textuais e pedir que os alunos grifem os mais variados tipos de pontuações que encontrarem. Pedir que destaquem com lápis de cor ou marca-textos. No fim, selecionar algum texto e fazer uma reflexão com o grupo todo perguntando os pontos que aparecem, verificando se há algum que não conhecem ainda e questionando se há sentido em ter aqueles sinais em determinada frase. 

NÍVEL 2, 3 e 4 - PERCEBENDO OS SINAIS A PARTIR DA LEITURA PARA INICIAR O USO NAS ESCRITAS


    Apesar de saberem da existência dos sinais, nestes níveis - como já vimos - sua aplicação na hora de escrever ainda pode ser escasso. Portanto, o caminho é pensar na pontuação a partir da leitura. As revisões textuais são ótimas práticas para treinar. Mas há outras possibilidades que sugiro aqui e que vejo serem pouco divulgadas.

ATIVIDADE 1 - CADA PONTO, UM JEITO

    Pedir que pensem em uma frase e escrevam-na três vezes. Em cada uma use um sinal de pontuação diferente, podendo ser uma com um ponto final, outra com o ponto de interrogação e a última com exclamação. Organizar uma rodada de leituras em voz alta. Você pode dar o primeiro exemplo se ficar confuso. Exemplo: A frase "Hoje é domingo": Hoje é domingo. Hoje é domingo? Hoje é domingo!
   Repetir esta atividade até três vezes pode consolidar o objetivo que é fazê-los notar a relevância que esses sinais básicos podem oferecer às frases.

ATIVIDADE 2 - PONTUANDO A PARTIR DE EXPRESSÕES EMOCIONAIS

    O objetivo desta é atribuir o uso dos sinais a partir das emoções. Pedir que escrevam as falas das pessoas nos balões de acordo com as emoções que elas demonstram.


    Esta atividade já está pronta, mas é possível variar também pedindo que recortem de revistas e jornais as várias expressões encontradas nas fotos e colem em uma folha/cartaz e façam os balões com as falas.
    A reflexão ao final das atividades é sempre uma parte importantíssima para que realmente entendam e vão estabelecendo sentidos a partir do que veem e fazem.

ATIVIDADE 3 - PONTOS PERDIDOS

   "Pontos perdidos": o objetivo aqui é oferecer um texto sem a pontuação, mas apresentando quantos sinais há no texto e quais são. Os alunos devem "encaixar" os pontos de acordo com o sentido da leitura. Veja o exemplo:

    A partir desta é possível criar diversas situações com diferentes textos. O ideal é colocar em textos curtos como piadas, fábulas e ditos populares. Com o tempo, é possível oferecer apenas os sinais que surgem no texto e depois deixar que identifiquem sozinhos (de acordo com o avanço dos alunos observados nas sondagens).

ATIVIDADE 4 - CONVERSANDO NO TELEFONE OU NO "WHATSAPP"

    Esta é uma atividade que é antiga, mas não é velha! Em duplas os alunos devem produzir um diálogo entre duas pessoas falando, como se fosse no telefone, ou para dar uma modernizada, no whatsapp. O intuito é que escrevam diálogos coerentes com início, desenvolvimento e fim sempre se atentando aos sinais de pontuação.
    Variando: Além de produzir os alunos podem revisar diálogos escritos sem pontuação ou com o uso não convencional. É um excelente treino!

ATIVIDADE 5 - PONTUANDO ERRADO

    Quando os alunos já estiverem em um nível um pouco mais avançado, é possível pedir que pontuem erroneamente textos ou histórias em quadrinhos com os balões vazios. É isso mesmo, o objetivo é pontuar errado! Pode parecer absurdo mas é uma proposta interessante porque para pontuar errado de propósito ele precisa saber o ponto correto que cabe na frase para então inserir outro. É uma outra forma de pensar. Mas, como venho insistindo, após esta atividade cabe a reflexão final de perguntar qual seria o ponto ideal naquela determinada frase. Alguns devem inserir aleatoriamente, mas então não "vencem o jogo" que é saber qual o sinal adequado e trocar por outro que trocaria totalmente o sentido do texto. Vale tentar?

CONCLUINDO...

    As sugestões acima servem para os momentos de sistematização do uso dos sinais de pontuação. São exercícios para treino e reflexão em momentos separados para isso. As práticas de revisão textual e produções coletivas são momentos tão importantes para a aprendizagem como estes propostos. Se a necessidade da turma é grande (principalmente nos anos mais avançados do Ensino Fundamental) é imprescindível que vários momentos de reflexão desta habilidade sejam contemplados nos planejamentos dos professores. 
    Os alunos levam tempo para usarem a pontuação convencionalmente, o que garante a consolidação desta capacidade é o constante exercício de pensar sobre ela. Portanto, não se desespere! Garanta bons momentos de práticas como estas. A maioria dos livros didáticos atuais já abordam o ensino da pontuação gramatical de forma reflexiva. O problema é que os exercícios são poucos. Para isso vale criar variações e adaptações para eles.
    Vale lembrar que a pontuação é um recurso ainda muito recente na história da escrita! A humanidade levou muito tempo para inventar os sinais como usamos hoje. O que as crianças vivem na escola, durante a aprendizagem da língua escrita, nada mais é do que todo o processo que a humanidade passou em séculos. A diferença é que elas fazem em muito menos tempo! 
     Espero que este longo post tenha valido a pena! Algumas destas atividades foram pouco aplicadas. Se você aplicou, compartilhe sua experiência aqui no blog para que possamos otimizá-las ainda mais!

PARA SE APROFUNDAR:

    Para buscar ainda mais fundamentos para esta prática indico o livro A aprendizagem da ortografia organizado por Artur Gomes de Morais (Editora Autêntica); nele há um artigo escrito por Cinara Santana da Silva e Ana Carolina Perussi Brandão sobre o ensino da pontuação. Além de outras ideias sobre a ortografia. Super indicado!



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    Ufa! Este post foi bem trabalhoso, mas acredito: muito necessário! Espero que possam aproveitar as ideias e compartilhar as experiências. Para qualquer dúvida estou a disposição nas redes sociais que você encontra no meu perfil ali do lado ou na seção Autor no menu principal. Até o próximo post.

Esses e outros abraços!


    As imagens deste post bem como das atividades foram retiradas da internet. Se por acaso alguma é de sua autoria ou responsabilidade, avise-me e lhe darei os devidos créditos!








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