ESPECIAL AFRICANIDADES (PARTE 1): 10 livros infantis para refletir sobre as relações étnico-raciais


   
     O mês de novembro é fortemente marcado nas escolas pelas datas da Proclamação da República (15), dia da Bandeira (19) e da Consciência Negra (20). Nos últimos anos o mês 11 é também chamado de "Novembro Negro": tempo de parar para pensar e refletir sobre as relações étnico-raciais do país, sobre o racismo, o preconceito e a discriminação de negros e afrodescendentes bem como grande parte da cultura brasileira que tem origens africanas. Eu acredito que não há datas para se pensar sobre direitos humanos e muitas vezes gosto de fugir do clichê, no entanto, para aproveitar a oportunidade que o mês traz e provoca o Desordem Natural terá uma série de posts com sugestões para se trabalhar e ensinar conteúdos que abordam as relações étnico-raciais e a implementação da Lei Nº 10.639/03 que institui o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana nas escolas de todo o país. Neste primeiro post vamos começar com a literatura infantil. Boa leitura!


    Há uma dificuldade gigantesca na sociedade brasileira de se falar sobre as influências históricas e culturais que os africanos trouxeram e que fazem parte da identidade brasileira. Falar de mitologia africana parece ser uma afronta. Pouco se conhece a respeito das histórias e lendas da África sem ligá-las à religião. 
    Por muito tempo os grandes heróis e princesas das histórias eram apenas brancos deixando as crianças negras e afrodescendentes  sem quaisquer referências. Não haviam heróis e heroínas, reis ou rainhas parecidos com eles. Hoje isso deve mudar. A literatura infantil está recebendo cada vez mais obras com as temáticas afro e as escolas possuem um acervo bem interessante para lidar com esta questão. Aproveitando-se da magia das histórias e do poder da palavra sugiro neste post dez livros para ler e refletir com os alunos com dicas de como abordar os temas com respeito e conhecimento.

1. Os Orixás sob o céu do Brasil
Marion Villas Boas
Editora Biruta


    Falar sobre os deuses africanos cultuados no Brasil (os orixás, voduns e nkisis) é um grande tabu por parte dos educadores e da sociedade. A escola é laica, mas não laicista, ou seja, a escola não tem religião mas recebe todas. Não prega religião nenhuma, mas acolhe as que se apresentam. Para propor uma aula em que se fala dos orixás é preciso esclarecer aos alunos que vão conhecer novos personagens que fazem parte da cultura brasileira e que isto não quer dizer que todos devemos acreditar apenas nestas divindades ou pensar que por não acreditarmos nelas, devem ser desmerecidas. Os orixás são muito parecidos como os santos católicos e os deuses gregos e estão enraizados em nossa cultura, por isso há de se respeitar. Quem não conhece ou ouviu falar de Iemanjá? Pois é. Esta obra de Marion Villas Boas é ótima para iniciar e fundamentar esta discussão.
    Os orixás sob o céu do Brasil conta algumas histórias dos principais orixás cultuados no Brasil pelas religiões de matrizes africanas (Candomblé, Umbanda, Batuque, Xangô, etc.). A autora coletou as principais lendas de cada personagem e em uma narrativa leve e sutil conta as aventuras, romances e conflitos que os orixás viveram durante o tempo em que viveram na Terra. As ilustrações de Sandro Lopes mostram as divindades como heróis, uma ótima referência.

2. Omo-Oba: Histórias de Princesas
Kiusam de Oliveira
Mazza Edições


    Aproveitando o assunto dos orixás, Omo-oba: Histórias de Princesas é um excelente livro em que seis histórias africanas são contadas com protagonistas femininas. Oiá, Oxum e Iemanjá tem uma de suas histórias contadas, no entanto são vistas como figuras históricas e princesas da tradição africana. A sensibilidade de Kiusam ao recontar os mitos torna o livro único porque quebra com o conceito de se associar os mitos africanos apenas à religiosidade. Para as crianças é um direito ter contato com este tipo de trabalho.


3. Erinlé, o caçador e outros contos africanos
Adilson Martins
Pallas


    Outra compilação de contos que tratam tanto de orixás como outros personagens africanos. No entanto, Adilson Martins também os trata como figuras lendárias. Diversos contos retratam a criação do mundo e das coisas, os conflitos e aventuras comuns em todas as histórias de diversas culturas de todo planeta. O conto que dá título ao livro Erinlé, o caçador é um combate entre o famoso caçador africano e um perigoso elefante que o desafia em todos pontos. Uma grande referência para os meninos.

4. Ifá, o adivinho
Reginaldo Prandi
Companhia das Letrinhas


    Reginaldo Prandi é um grande pesquisador da mitologia africana e muito conceituado no Brasil. Já publicou pela Companhia das Letras o livro Mitologia dos orixás, uma completa coletânea das lendas dos orixás que são cultuados no Brasil dentro das religiões de matrizes africanas. Em Ifá, o adivinho Prandi conta para as crianças uma das aventuras do maior adivinho que já existiu entre os povos iorubás. Ifá ajudava todas as pessoas com seu grande jogo de búzios que adivinhava o futuro. Ajudava as pessoas até a livrar-se da Morte. Mas um dia, a Morte ficou irritada com Ifá por tanto atrapalhar seus planos e decide acabar com o adivinho. Uma bela aventura de encher os olhos.

5. Lendas de Exu
Adilson Martins
Pallas


    Exu é o personagem do panteão africano mais discriminado pelo senso comum. Muito sincretizado à figura do demônio as pessoas pouco conhecem ou se permitem saber quem de fato foi e é Exu. Guardião dos caminhos e mensageiro dos deuses (você lembra de Hermes?), Exu por vezes é encrenqueiro e apronta muitas peripécias. Mas longe de ser maldoso, Exu também salva a vida de muitos outros personagens das lendas africanas.  Nesta obra, Adilson reescreve com muita riqueza e maestria as lendas que cercam esta importante figura. Exu ora é malicioso, ora sapeca, também simpático e muito levado. Quero ver quem é que não se identifica com este malandrinho.

6. O mundo no black power de Tayó
Kiusam de Oliveira
Peirópolis



    Para falar da valorização da beleza negra não há livro melhor. O doce e poético livro da ótima Kiusam de Oliveira conta um pouco da vida de Tayó, uma linda garotinha que carrega um grandioso black power em sua cabeça e nele guarda e esconde todo o seu mundo: desde sua tristeza quando ofendida pelos seus amigos até a magia misteriosa de seus ancestrais. O livro já recebeu diversos prêmios pelo país e as ilustrações de Taísa Borges dão cores a esta poesia. Direito de toda criança ler e ouvir.

7. Coleção Africanidades
Vários autores
Ciranda Cultural


   A Coleção Africanidades da Ciranda Cultural é comporta por dez livros e dez CDs que de maneira informativa abordam diversos temas das africanidades em vários segmentos: artes, música, religiosidade, festas populares e etc. Cada livro um tema para crianças a partir dos seis anos. 

8. As gueledés - A festa das máscaras
Raul Lody
Pallas


    As gueledés são misteriosas mulheres que viveram na África há muito tempo atrás. Elas se transformavam em ratos, pássaros e morcegos para vencerem os desafios que surgiam. As gueledés são guerreiras que lutam pelo poder das mulheres, algo que ainda persiste até os dias de hoje.

9. Menina bonita do laço de fita
Ana Maria Machado
Editora Ática


    O clássico de Ana Maria Machado e um dos contos precursores da valorização da beleza afro no Brasil não poderia deixar de aparecer por aqui. O coelhinho branco se apaixona pela menina e quer porque quer saber seu segredo para ser tão pretinha porque ele quer ter uma filhote assim, como ela. É diversão garantida e uma ótima lição para os pequenos que deve explica porque somos como somos.

10. O mar que banha a Ilha de Goré
Kiusam de Oliveira
Peirópolis


    Uma delicada narrativa que conta a viagem de Kika até a Ilha de Goré, no Senegal, onde descobre que tem muita semelhança com o povo dali. Tocante e sensível esta última obra de Kiusam retoma os valores da ancestralidade. Kika conhece um garoto, Laith, que lhe mostra as maravilhas da natureza e cultura africana tão comuns à menina que mesmo nunca estando ali sente que tudo é próximo, tudo é seu e faz parte dela também.

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   E estas são os dez livros que selecionei para promover a reflexão dos profissionais da Educação e toda a comunidade escolar. Há ainda muitos títulos que poderiam facilmente pertencer a lista mas optei por divulgar alguns não muito conhecidos na cultura escolar mas com grande qualidade literária. Vários destes fazem parte dos acervos enviados às escolas pelos programas do MEC, com certeza há na sua escola ou em uma biblioteca pública alguns desses volumes. 
    A literatura é, como arte, uma valiosa ferramenta para iniciarmos estas discussões tão necessárias em nossa sociedade. Não podemos ter medo de falar sobre estas questões, contudo é preciso ter alguns conhecimentos em mente para tratar de temas delicados com prudência.
     Abordar as africanidades não é hiper-valorizar a cultura afro-brasileira e africana descartando as outras, mas sim colocá-la em situação de igualdade perante às outras que já conhecemos e que não encontramos dificuldades nenhuma em falar delas na escola e na sociedade.
    Espero que tenham gostado e aproveitem as dicas. Logo mais outros posts trarão ideias e sugestões para trabalhar as relações étnico-raciais. Fiquem ligadxs!

Esses e outros abraços!

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