Em 2014 eu tive dois cargos de professor da rede em que trabalho. Na mesma escola, dei aulas para duas turmas de 3º ano (Ciclo Inicial) do Ensino Fundamental I. A primeira turma era um grupo com vários alunos com comportamentos difíceis. Foi o ano mais desafiador em sala de aula. Num belo dia, para um desabafo, escrevi esta simples crônica que, acredito, muitos de nós já pensamos em ver nossos alunos nesta situação. Boa leitura!
O PROFESSOR SUMIU
Edhson Brandão
Nós estávamos na hora da leitura e ninguém parava de conversar. Era blá-blá-blá pra todo lado e ele lá com o livro na mão. Começou a leitura e fazia vozes e caras engraçadas, mas mesmo assim era ti-ti-ti das meninas trocando figurinhas, há-há-há dos meninos procurando confusão e eu tentando escutar alguma coisa. Parecia que a história era de bruxas, de como elas ficavam quando zangadas. E a turma nada de prestar atenção: apontador caindo, borracha voando e um monte de desenhos aparecendo nas mesas. No alto da confusão, o professor parou de ler e fechou a cara: estava bravo. A testa apertada e os olhos grandes atrás dos óculos quadrados me diziam que hoje o recreio seria furado. Mas não. Eu consegui contar em sua testa a contagem regressiva para que algo explosivo realmente fosse acontecer. Cinco. Quatro. Três. Dois. Um: “Chegaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa... “. Tapamos nossos ouvidos e olhos pois o grito foi tão alto e o “a” tão forte que quando olhei pro alfabeto em cima da lousa só tinha essa letra. Esqueci como se ouvia por uns... três minutos? Acho que foi. Então quando o silêncio finalmente chegou trouxe com ele a surpresa: “Cadê o prô?” Levantei-me da mesa procurando-o e... cadê? Havia apenas o livro das bruxas no chão e nem sinal do professor em qualquer parte. “Gente, o prô sumiu!” , “Mas como assim?” , “Ele saiu correndo?” , era o murmúrio por todo lado. Ninguém viu, ninguém sabia! Ao percebermos que estávamos sozinhos a farra começou. Os meninos do começo da fila começaram a correr, as meninas se agruparam e o meu parceiro comeu cola. Cola! Argh. A felicidade da liberdade durou pouco. Com o barulho o inspetor chegou na sala. “O que está acontecendo aqui? Cadê o professor de vocês?”. O silêncio havia voltado e agora tinha a companhia da dúvida. Ninguém falou nada. Ele insistiu: “Crianças, respondam! Onde está o professor de vocês?”. Todos os pontos de interrogação e exclamação que a gente nunca usava nas produções de textos apareceram em cima de nossas cabeças naquela hora. Silêncio. Olhávamos uns para os outros e o menino da fileira do meio – o campeão de xadrez – confessou: “O professor sumiu”, “Sumiu? Como assim?”, “Ele estava lendo para a gente, daí deu uma bronca e puf! Sumiu”. O inspetor olhava para gente como a gente olhava para o professor quando ele contava as histórias do folclore: não acreditamos em nada daquilo. A situação começou a ficar complicada. Ninguém se movia. Nenhum barulho. Até o menino da mesa da frente na fileira do meio (que vivia brincando com giz de cera perdido no mundo intergalático) ficou sério. Deu medo. “O que vocês fizeram com o professor de vocês?”, “Nada... a gente só estava... conversando durante a leitura”, “É. Daí ele gritou para a gente prestar a atenção e...” , “Sumiu!”. O inspetor então botou a mão na boca, pensativo, pegou o livro do chão e colocou-o embaixo do braço. “Bem, já que foi assim, guardem seus materiais e vamos descer. Vocês vão embora. Não tem mais professor.” Grandes olhos se abriram. Ouvi alguns “Yes!” do menino alto que senta ali atrás. Guardamos tudo e saimos. Na fila tinha algo estranho. Faltavam olhos em cima da gente. No refeitório foi triste pois ninguém pediu para lavarmos as mãos e brincou de porta-de-caverna. A gente comeu e foi embora. E amanhã? Será que ele volta?
Essa crônica nos poe a refletir, quantas vezes da vontade de sumir? Quantos desafios? Que atitudes, que providências devemos tomar? Sumir?
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